Não. Não vou argumentar contra a “nova cozinha”. Ou até mesmo a cozinha de “pinças” que tem um lado mais “tecno-emocional”. Hoje apetece-me escrever sobre a cozinha de tachos e panelas. A cozinha que assenta em gerações. A cozinha que encerra em si também muito da cultura de um país. Que o define e o mostra. Esta é a cozinha que a maioria ama. A que na raiz mostra o sabor de um povo.
Lembro-me das panelas da minha avó. E dos aromas que inundavam a cozinha naquelas tardes de verão. Eram meses de diversão com os primos em Bragança bem no Nordeste Transmontano. E só se regressava a casa para almoçar e depois novamente para o lanche ou o jantar. Tudo o resto era brincadeira pura. Saudades dos tempos despreocupados. Mas também muitas saudades daquela cozinha. Do sabor do pão com manteiga e do café feito numa cafeteira velha. Dos pratos de sopa, nos quais via o meu avô colocar um pouco de vinho tinto. Da comida de uma panela só. Coisa que eu falo algumas vezes. Como éramos muitos tinha de ser assim. Massada com feijão vermelho. Era o delírio e a energia certa para o resto da tarde. Batatas guisadas com carne. Um dos pratos de eleição do meu pai. Ainda hoje.
Era a comida de tachos e panelas. A comida que não era pensada. Saía apenas das mãos da minha tia mais velha ou da minha avó. Eram receitas que passaram de geração em geração e que deixaram a sua marca numa família inteira. Na altura não sabia cozinhar, mas era bom nos “recados”. Ia ao mini-mercado buscar o pacote de arroz ou o pacote de massa de última hora. E não ficava muito tempo na cozinha. Fugia para o quintal ou para a rua para mais um jogo ou mais uma corrida. Voltava apenas quando a fome ou a sede apertavam.
Gostava de poder voltar atrás no tempo. E manter pelo menos o gosto apurado para estas coisas da gastronomia. Tirar todo o lado romântico com que nos lembramos dos pratos que nos deliciavam na infância. Gostava de poder perceber como eram realmente feitas as coisas. Como é que a minha avó conseguia tais proezas culinárias. Perceber a mão no tempero e olhar tudo como um cientista que analisa os dados de uma forma imparcial. Deveria ter sido nessa altura o meu despertar para a cozinha. Não que agora vá tarde, mas na altura teria tido muito mais referências de tachos e panelas. Para perceber como é que realmente eram feitas as coisas.
Hoje vou buscar essas referências a muito lado. Na cozinha que a minha mãe fazia. Ao que vejo os outros fazerem. E aquilo que eu fui aprendendo nestes últimos anos. É engraçado que vejo também muitos Cozinheiros com esse amor aos tachos e panelas. Amor a receitas do antigamente, mesmo que lhe confiram um toque moderno. Seja pela técnica ou pela perfeição do ponto de cozedura. Claro que todos sabemos que antigamente as coisas era cozinhadas demasiado tempo. E que o importante agora é actualizar os métodos para que não se estrague tanto os ingredientes. E também é importante procurar novas formas. Seja com recurso a novos ingredientes para novas texturas ou ao já clássico “sous-vide”. Mas o fogão vai sempre continuar a ser o fogão. Ele é que dá o treino. Ele é que ensina.
A foto que ilustra este texto foi tirada num dos magníficos Cozidos do Chef Nuno Diniz da York House. E digo magníficos porque o Nuno consegue trazer um prato que foi quase banalizado para um estatuto superior. Ele seleciona os enchidos com viagens pelo país. Os legumes são também criteriosamente escolhidos. Tudo tem uma razão de ser e tudo tem um sentido. É o Cozido perfeito. Todos os ingredientes são fantásticos e estão cozinhados na perfeição. Quer recorrendo a técnicas modernas, quer ao saber secular, o Nuno é daqueles cozinheiros que inspira quem o rodeia. E basta entrar na cozinha do Restaurante Confraria na York House para perceber que é uma aula constante. Muita simpatia e muito saber. Invejo quem por lá anda. Ter assim a oportunidade de aprender sempre mais e mais. E sempre com um sorriso na alma.
Naquelas horas que passei na York House aprendi imenso. Adorei ver produtos que tão bem conheço como o “Butelo e as Cascas” serem tratados como manda a tradição. E o arroz, bem. O arroz estava perfeito. Cheio de sabor. Com um aroma maravilhoso. Não vou publicar fotos do cozido em si. Isso fica para a minha memória. Porque existem coisas que não são para ser partilhadas com o mundo. Mas apenas por amigos em volta de uma mesa. De um bom vinho. E acima de tudo, de uma grande conversa.
Isto aquece mesmo o coração.
Obrigado Rodrigo!
Obrigado eu. Pela inspiração. Sinto-me honrado de te ter por aqui. 😉
Força Rodrigo,conta comigo.Abraço
Olá!
É mesmo isso!
Também me lembro dos aromas da cozinha da minha avó! É a esses aromas que quero chegar todos os dias!
Beijinhos
Ana
São estas coisas que não devemos perder. 🙂